O gramado terminava em um muro alto com portões de madeira verde igualmente alto. Embaixo os canteiros de pedra com petúnias de todas as cores. Ali do lado o tanque de azulejos portugueses, a cabeça de leão cuja boca grande de cerâmica vermelha às vezes se abria em um jorro d'água.
Do outro lado debaixo das duas mangueiras e por entre as folhagens verdes, o banco de madeira pintado de vermelho. Nos fins de semana, pela manhã ou de tardezinha ali ele se sentava, o jornal do lado. Era um avô diferente. Parecia ter um íman em seu interior. E eu o adorava. Suas mãos, belas e expressivas, unhas ovais bem formadas e o dedo indicador amarelado pela nicotina do cigarro.
Tinha um jeito único de contar histórias, às vezes uma certa ironia e mistério, a esperar que eu chegasse às próprias conclusões.
Solto pelo jardim o vira-latas mais manso do mundo, chamado "Perigo". O quintal, o paraíso dos 20 netos que se reuniam nas férias. Os avós tiveram onze filhos, a maioria do Rio de Janeiro, uma em São Paulo e meus pais de Belo Horizonte. O galinheiro, telas de arame, galinhas d'angola, outras Legorne vermelhas, o laguinho redondo dos patos.
Leitõezinhos num cercado do fundo ganhavam nomes especiais e engordavam inocentemente até o Natal. Um deles, Nabucodonosor. "Que nome é este, vovô?" - " Ah, esse foi um rei, um homem muito importante, rico e poderoso. Tinha um palácio de jardins suspensos. Morava num lugar belíssimo, chamado Babilônia, uma das sete maravilhas do mundo antigo..."
Tempos mais tarde ao me debruçar sobre livros de astrologia reconheceria no avô Gerson (*), com todo seu brilho, liderança e altivez, um legítimo representante de Leão, o signo dos reis.
(Texto dedicado à memória de (*) Gerson Moretzsohn)
Lourdinha Biagioni, Fevereiro de 2011.